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O futuro da inovação: Menos high tech, mais high touch



“Esta manhã eu li mais de quatro mil artigos de leucemia em menos de um segundo. Milhares de leis foram publicadas ontem e eu já conheço todas elas. Eu sei todos os detalhes de todos os relatórios financeiros públicos dos últimos 20 anos”. Isto é parte da propaganda atual da tecnologia cognitiva de uma grande empresa de tecnologia que promete entender tudo sobre todos. E não é promessa, é realidade. Análise de volume inimaginável de dados processado na nuvem por linguagem artificial e distribuídos em dispositivos móveis ou mesmo por internet das coisas e melhorados constantemente por máquinas que aprendem e se auto evoluem automaticamente.

Este fascínio e muitas vezes obsessão pela alta tecnologia é uma visão míope de quem inova olhando para o passado.

A alta tecnologia está cada vez mais disponível para as empresas que têm dinheiro para comprá-la e para empreendedores inovadores que são capazes de recriá-las de formas ainda mais disputativas. Quanto custa a tecnologia mostrada na propaganda? Dez milhões de reais? Um milhão de reais? Cem mil reais? 10 mil reais? Não… R$ 130,79 por mês. Pelo valor de dez ou onze quilos de feijão, você tem o mais avançado de tudo o que é considerado disrupção tecnológica: Big data, machine learning, AI, cloud, mobile…

E para que serve tudo isso? Para criar novos serviços muito mais eficientes. Por exemplo, para não ficar pagando multas mal intencionadas. O DoNotPay é um site que ajuda motoristas a recorrerem das multas de trânsito que levaram e funciona em Londres e Nova Iorque. Desde o seu lançamento no final do ano passado, só em Londres, já ajudou em mais de 160 mil processos. Basta o interessado “conversar” com robô do DoNotPay e deste bate-papo online sai o pedido para recorrer da multa. E o que mais impressiona neste serviço não é porque é gratuito ou mesmo seu índice de acerto que supera os 60%. O DoNotPay foi criado por um estudante de apenas 18 anos e que não utilizou a tecnologia da propaganda. Ele a recriou!

Assim, neste momento em que a inovação se tornou obsessão para muitas organizações, poucos se dão conta que o acesso a mais alta tecnologia já deixou de ser uma vantagem competitiva há muitos anos. A tecnologia sempre deve ser vista como um meio para a criação de algo percebido como melhor.

Muitos querem copiar o Uber ou mesmo uberizar um negócio de outro segmento. Mas poucos realmente percebem que não é a tecnologia que torna o Uber inovador, mas a preocupação de cada motorista associado em atender bem seu cliente. A inovação está em saber o preço antes da corrida, no carro limpo, no bom ar condicionado, na água oferecida juntamente com as balas, na não preocupação em pagamento em dinheiro e troco e na avaliação do serviço pelo cliente e do cliente pelo motorista.

Da mesma forma, muitas redes hoteleiras não conseguem entender como uma tecnologia tão banal quanto a do AirBnB pode valor US$ 30 bilhões, quase o mesmo valor da rede Hilton com seus mais de 4.600 hotéis e 758 mil quartos.

E de todas as novas startups, uma das que mais chamam a atenção é o WeWork. Fundada em 2010, é uma rede de 54 escritórios compartilhados (coworkings) espalhados pelos Estados Unidos, Europa e Israel. Poucos realmente entendem porque um negócio imobiliário de pequeno porte vale cerca de US$ 16 bilhões, valor quase quatro vezes superior ao da tradicional Regus com sua rede de mais de 2.300 prédios em mais de 120 países.

Entre as tecnologias utilizadas pelo Uber, AirBnB e WeWork há pessoas ajudando mutualmente outras pessoas. No Uber você não apenas se desloca melhor nas grandes cidades, mas também ajuda o motorista a gerar a sua própria renda.

No AirBnB você é recebido na casas das pessoas como alguém próximo e com todos os mimos de alguém muito querido. E o WeWork não é apenas um lugar de trabalho. Também é um ambiente de cooperação, do fortalecimento de amizades pessoais (e não apenas profissionais), de aprendizado e de celebração nas inúmeras festas e happy hours.

O futuro da inovação não está na tecnologia que afasta as pessoas, mas naquelas que as aproximam e as tornam ainda melhores.

Por Marcelo Nakagawa

| Marcelo Nakagawa é Professor de Empreendedorismo do Insper e Diretor de Empreendedorismo da FIAP


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